terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Dicas de Filmes: As Aventuras de Pi


"Até os cabelos da cabeça de vocês estão todos contados."
(Lc 12, 7)
Filme vencedor de 4 Oscar.
Esse filme trata principalmente do itinerário espiritual de um garoto curioso chamado Piscine Molitor Patel, vulgo Pi. Numa entrevista com um escritor, Pi conta toda a sua vida, desde a explicação do estranho nome Piscine, que vem de uma piscina parisiense, ao resultado de um naufrágio em que o protagonista perde mãe, pai e irmãos.

Na infância Pi conta como superou as gozações dos colegas pelo fato de se chamar Piscine. Nesse contexto ele explica todo o esforço que teve para associar seu nome à letra grega \pi, o rápido relacionamento com uma dançarina hindu e o mais importante: a descoberta das três religiões que o acompanharam durante a vida, o hinduísmo do qual aprendeu a devoção, o islamismo do qual aprendeu a ver Deus em todas as coisas e o cristianismo do qual aprendeu a amar. 


Em um diálogo familiar, Pi é aconselhado por seu pai sobre a necessidade de fazer escolhas na vida, por mais difíceis que elas sejam. Pi decide então ser batizado, ainda que a experiência positiva com as outras religiões moldassem sua forma de encarar as dificuldades da vida. Interessante notar que o fato de Pi ter conhecido diferentes religiões, parecidas e discordantes entre si, não o impediu de tomar uma decisão livre de qualquer pressão. Uma delas o convenceu na busca da verdade num processo parecido com o que  explica João Paulo II na encíclica Fides et Ratio:
A sede de verdade está tão radicada no coração do homem que, se tivesse de prescindir dela, a sua existência ficaria comprometida. [...] Por certo, nem toda a verdade adquirida possui o mesmo valor; todavia, o conjunto dos resultados alcançados confirma a capacidade que o ser humano, em princípio, tem de chegar à verdade.
lifeofpiA família de Pi decide então seguir numa viagem rumo ao Canadá para iniciar uma nova vida. Para tanto eles têm que levar boa parte dos animais que viviam no zoológico da família num enorme cargueiro. O navio naufraga e ele, dentre todos os animais e tripulantes, consegue salvar-se  por meio de um bote salva-vidas com um tigre (Richard Parker), um orangotango, uma hiena e uma zebra.

Obviamente, como vocês já devem imaginar, da chamada "Arca de Pi" (metáfora da Arca de Noé) só sobrou o tigre e o então adolescente Pi. Com o tempo Pi teve de aprender não só a sobreviver às intempéries do mar como a domar o tigre faminto. É muito fácil perceber que o período que Pi passou com o tigre no mar foi uma bela demonstração das virtudes teologais: a fé, a esperança e a caridade. Pi exercitou o dom da fé substituindo as quase obrigatórias murmurações por diálogos e até discussões com Deus; cultivou a esperança por meio das simples instruções de um manual de sobrevivência; e o mais importante: Pi não se fez de coitadinho nem descontou a raiva, o abandono e o desespero no tigre com quem conviveu durante todo esse tempo.

O filme consegue, ademais, traduzir magistralmente as provas de fé a que Deus nos submete diariamente: sempre que tudo parece humanamente perdido, a ajuda vinha mesmo que de modo imperceptível. O filme mostra que Deus é humilde até em sua providência. Não há teletransportes, água do mar transformada em vinho, peixe transformado em filé mignon, etc. A lição é sobretudo a que temos de estar atentos aos movimentos divinos. Esse exercício ou prova divina repete-se ao longo de toda a "Aventura de Pi": o barco naufraga, porém só ele sobrevive; Pi está abandonado em meio ao mar, porém há um manual de sobrevivência com suplementos para dias; a comida começa a acabar, porém acha-se uma ilha para abastecimento e por aí vai. O mais importante é estar atento a esses "poréns" de Deus a despeito de todas as circunstâncias e isso é uma grande lição para os crentes.

Nas últimas cenas, o já adulto Pi, que é entrevistado por um escritor conta que logo após o naufrágio teve de explicar a alguns representantes da seguradora como ocorreu o desastre e como ele conseguira sobreviver tanto tempo no mar, algo considerado impossível. Depois de explicar detalhadamente, Pi percebe o estranhamento no rosto dos representantes que prontamente solicitam uma história mais plausível para ser registrada nos arquivos. Pi então reconta a história substituindo os animais do bote por pessoas. A atitude de cada animal: da hiena, do orangotango, da zebra e do tigre são substituídas pela atitude de pessoas por ele inventadas na tentativa de parecer mais convincente dessa vez. No final, Pi questiona o escritor: "qual é a melhor história? A história com animais ou sem animais?". O escritor responde: "A história com animais é uma história melhor". E então Pi responde: "e assim aplica-se a Deus".

Como uma obra de arte, não convém tentar explicar ou impor uma visão pessoal da cena retratada, mas esse final talvez seja a chave do entendimento da proposta do filme. Dentre duas histórias "inverossímeis", humanamente fantásticas, inacreditáveis, onde não há espaço para a racionalização dos fatos, uma delas parece ser mais adequada cientificamente falando. Mas isso não quer dizer que seja a história verdadeira. Talvez o roteirista quisesse provar que a ciência também tem seus limites. A ilha carnívora relatada por Pi não existia em nenhum mapa, mas só por isso deveríamos presumir que ela não existe? Não há artigos científicos demonstrando o comportamento de um tigre de bengalas convivendo com um homem durante 200 dias em mar aberto. Portanto deveríamos concluir que isso seria impossível? Com relação a Deus, poderíamos explicá-lo como uma entidade etérea e abstrata, distante da realidade humana, que fora criado pela imaginação para suprir o que a ciência não explicaria.  Por outro lado, existe uma outra história: a de um Deus que se fez homem por amor à humanidade e sofreu até a morte para elevá-la ao seu convívio e fazê-la eterna. Como na história contada por Pi, uma parece cientificamente melhor, mas será que é a verdadeira? Eu responderia com uma incrível citação do próprio Pi:
"Se você titubeia em relação à credibilidade das coisas,você está vivendo para que? O amor é difícil de acreditar, pergunte para qualquer amante. A vida é difícil de acreditar, pergunte para qualquer cientista. Deus é difícil de acreditar, pergunte para qualquer crente. Qual o seu problema com coisas difíceis de acreditar?"


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